Zeca Lopes, sempre elegante, com a camisa do clube que o projetou.
(Foto Arquivo Família Lopes)
Folha de folder distribuído por ocasião do centenário do atleta
Convite para a inauguração em homenagem ao
construtor de sonhos de Batatais
O Corinthians que acaba de se sagrar bi-campeão mundial interclubes, ao vencer o Chelsea da Inglaterra por 1 a 0 no Japão, tem um nome histórico ligado a Batatais. Trata-se do jogador que teve seu nome ligado para sempre ao Timão porque foi o primeiro do
clube (ao lado de Jaú e Brandão) a ser convocado para a Seleção Brasileira, no
caso a que disputou a Copa do Mundo de 1938. É José dos Santos Lopes, o Zeca
Lopes, para o qual a sua família e sua cidade natal, Batatais, prepararam uma
grande festa no dia 7 de novembro de 2010, quando foi lembrado o seu centenário de nascimento, no mesmo ano do centenário do Corinthians.
Zeca Lopes foi o terceiro de de oito filhos de Arthur Lopes
de Oliveira e Luiza Ferreira Borges. Nasceu a 1 de novembro de 1910, mas apenas
a 25 de fevereiro aconteceu o registro. O jogador nasceu, então, pouco depois da
fundação do Coringão, em 1 de setembro. E o destino de ambos estaria ligado de
forma total.
Os fundadores do Corinthians eram todos trabalhadores: o
cocheiro Anselmo Correa, o trabalhador braçal Carlos Silva, o sapateiro Rafael
Perrone e os pintores de parede Joaquim Ambrósio e Antonio Pereira. Moravam no
Bom Retiro e prestavam serviços para a Companhia de Estrada de Ferro São Paulo
Railway - a ferrovia, portanto, na origem do Corinthians, assim como de tantos
clubes, sobretudo no interior de São Paulo.
Pois Zeca Lopes também tinha o mesmo perfil. Começou sua vida
profissional logo cedo, aos 9 anos, como ajudante de pedreiro, e desde então não
deixou de ser isso: um construtor de sonhos. Sonhos que ele abraçava e tornava
realidade com as mãos - construiu sua primeira casa, aos 15 anos, com madeira
que retirava nas cercanias de Batatais - e com os pés habilidosos - desde cedo
se destacava nas partidas com os amiguinhos.
A pobreza da família foi um elemento motivador. Zeca
procurava se esmerar até nos jogos de malha para, ganhando um dinheirinho,
ajudar nas despesas da família numerosa. E como tantos brasileiros vislumbrava
no futebol uma oportunidade de melhoria nas condições de vida, e abraçou com
força essa alternativa. Trabalhava duro, construindo casas, e voltava correndo
para treinar. O futebol estava no sangue da família. Ele morava bem perto do
maior campo de Batatais. O seu primeiro calçado foi uma chuteira de futebol.
Antes, só descalço. A pobreza era tanta que, quando fez a primeira comunhão,
Zeca e outros colegas tiveram que esperar um "segundo tempo". Uma turma de
colegas de mais "posses" fez a primeira comunhão em um dia e, em outro,
emprestou roupas para aqueles com recursos menores. Zeca estava entre eles.
Ainda amador, jogou em várias cidades da região de Ribeirão
Preto, no Triângulo Mineiro e outras cidades de Minas. Em uma partida, no Sul de
Minas, enfrentou nada menos que João Ramos do Nascimento, o Dondinho. Sim, ele
mesmo, pai do Rei Pelé.
O Batataes Foot Ball Club foi o primeiro clube de Zeca Lopes,
de onde saiu para o Comercial de Ribeirão Preto. Mas rapidinho saiu de lá para o
Corinthians, onde se destacou com o apelido "O Tanque". A explicação: ninguém
parava o jogador, quando saía em disparada pela ponta direita. A ida para o
Corinthians foi literalmente abençoada, pela intermediação de um futebolista
apaixonado, o Cônego Barros, que teria financiado até seu primeiro terno para se
apresentar na capital...
Na época muito retraído, Zeca não se acostumou nas
instalações reservadas pelo Corinthians para os atletas solteiros. O clube
acabou alugando um quarto, em casa de uma senhora de idade, para que ele pudesse
se sentir mais confortável. A aposta do clube deu certo. Ele se destacou logo no
primeiro treino e foi escalado para a partida do domingo seguinte.
Zeca
Lopes, ou Lopes, participou do terceiro tri do campeonato paulista do Timão,
entre 1937 e 1939, sendo novamente campeão em 1941. O mundo já enfrentava os
horrores da Segunda Grande Guerra e Lopes também teve de superar uma grande
batalha: em 1941 deixava o futebol profissional, após ter-se machucado em uma
partida beneficente em uma fazenda na região de Batatais.
Antes, o brilho na Seleção de 1938, que para muitos seria a
vencedora da Copa do Mundo na França, não fossem, dizem alguns historiadores,
vários conflitos internos. Era uma seleção muito acima da média, contando com
gênios como Domingos da Guia, Zezé Procópio, Tim e, especialmente, Leônidas da
Silva, o Diamante Negro. No gol, outro batataense, Algisto Lorenzato, o
Batatais. O técnico era Ademar Pimenta.
Leônidas era a grande esperança e, enquanto jogou, não fez
feio. Pelo contrário. Na primeira partida, contra a Polônia, fez três gols (um
deles descalço!), em um dos mais disputados jogos da história dos mundiais. O
Brasil ganhou por 6 a 5, depois de 4 a 4 no tempo normal. Bons tempos
aqueles...
Mas o "Diamante Negro" se machucou na segunda partida contra
a Tchecoslovaquia (o Brasil empatou o primeiro e ganhou o segundo jogo, de
desempate, contra essa equipe do Leste Europeu) e apenas voltou no final do
torneio. Sem o "pai da bicicleta" e inspirador do famoso chocolate batizado com
seu apelido (o "Diamante Negro" tentou se recuperar mergulhado em uma banheira
com água salgada), o Brasil perdeu a semifinal para a Itália, por 1x2, mas
ganhou a disputa do terceiro lugar com a Suécia: 4 a 2, com dois de Leônidas,
que terminou a competição com sete gols em quatro partidas disputadas e o
merecido título de melhor jogador da Copa.
O destaque na Copa da França levou Zeca Lopes a uma nova
convocação para a Seleção, para disputar a Copa Roca. No Corinthians, continuou
a se destacar, até o encerramento precoce da carreira em 1941. Mas ele não se
abateu, pois mesmo jogador continuava firme com sua segunda vocação, a de
construtor.
Ele continuava construindo casas em Batatais, tendo sido o
pioneiro de bairros como a Vila Cruzeiro e o Riachuelo. Neste, ergueu aquele que
foi chamado de "prédio do Zeca Lopes", onde morou. Em uma gleba que adquiriu
posteriormente, construiu casas que vendia a preços baixos. O local se
transformou na Jardim Santa Luiza, um tributo a sua mãe, embora o bairro tenha
sido popularmente batizado de Vila Lopes.
"Ele estava atento a tudo, não desperdiçava nada, como a
minha mãe contava. Até prego que achava no chão ele utilizava nas construções.
Uma vez, ao construir uma casa, ele pegou o armário de sua casa para reutilizar
como janela", lembrou Benedita (por ocasião da festa do centenário), a filha mais velha de Zeca e Helena, de família
de origem italiana.
O casal teve quatro filhos: Benedita, Arthur, Rosa Helena
e José. A elegância foi uma das marcas de Zeca Lopes, que sempre estava de terno
e chapéu. Ele faleceu em 28 de agosto de 1996, aos 85 anos.
"Meu pai nos ensinava acima de tudo a não ter preconceito, a
não julgar ninguém", resumiu Benedita, dizendo que, como seus irmãos e demais
familiares, sente enorme orgulho pelos pais que tiveram, Zeca e Helena, um
completando o outro, juntos na solidariedade. "E ele era muito persistente, não
desistia nunca dos seus sonhos", completou Benedita. Uma enorme lição de vida.
A lembrança do centenário de nascimento desse construtor de
sonhos foi dia 7 de novembro de 2010, a partir das 9h30, com a inauguração de monumento
em sua homenagem, na praça do campo de futebol do Jardim Santa Luiza (Vila
Lopes). Monumento encomendado pela família e assinado pelo artista plástico Luiz
Xavier dos Santos. Uma bela e significativa homenagem a quem construiu tanto em
vida. (
Por José Pedro S.Martins)